Seja Bem Vindo ♥ ♥ ♥ Entre ♥ ♥ ♥ Mexa ♥ ♥ ♥ Remexa ♥ ♥ ♥ Deixe seu comentário ♥ ♥ ♥ Pergunte ♥ ♥ ♥ Peça Orações ♥ ♥ ♥ Volte sempre ♥ ♥ ♥

segunda-feira, 4 de julho de 2011

“Louvado sejas, meu Senhor, por irmã Clara”

Março de 1211. É Domingo de Ramos e Francisco prega em São Rufino, catedral de Assis. Sua palavra é mais inflamada que de costume e sua voz estremece de contida alegria, porque conhece muito bem o dom preciosíssimo que está para oferecer ao Senhor.




Recitam os Fioretti, a mais bela, senão a mais autêntica tradição franciscana:



“E começou a pregar maravilhosamente, seja sobre o desprezo do mundo, sobre a santa penitência, seja sobre a pobreza voluntária, o desejo do reino dos céus e a nudez da paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo”.



Clara vai ajoelhar-se em seu lugar habitual junto ao altar, onde permanece imóvel em oração, enquanto todo povo desfila em absoluta ordem, para receber do bispo Guido o raminho bento de oliveira. Com a cabeça inclinada e as mãos juntas, ela se prepara para o supremo adeus à família e ao mundo. Não sente incerteza nem dor. Somente seu coração estremece um pouco, tal como estremece um pouco o coração de toda esposa que está para subir ao altar e unir-se indissoluvelmente por uma promessa.



Mas, de repente, uma sensação de assombro imobiliza a multidão, ao ver o bispo se aproximar de Clara, que está ajoelhada, para lhe oferecer a mística palma.



Isso, porque o bispo Guido sabe. É evidente que não é Francisco o árbitro que induz a um passo tão decisivo uma jovenzinha tão inexperiente na vida, para adestrá-la na penitência e na pobreza, sem o consentimento do prelado a quem professa obediência e confiança. Este, por sua vez, profundo conhecedor do espírito e do amor do pobrezinho, abençoa aquela que será a glória de Assis e se compraz em lhe render homenagem publicamente.









Os obstáculos na noite da fuga



O prodígio acontece enquanto a noite chega, uma noite clara em que se espalha no ar o perfume precoce da tépida primavera úmbria.



Clara, absorta em férvida oração em seu pequeno quarto, aguarda com impaciência e júbilo o momento de seu destino. Quando todo rumor já cessou na vasta moradia, e os familiares, as camareiras e os pagens estão repousando, ela sai cautelosamente de seu quarto – testemunha de suas horas de penitência e de insônia – e, sem se voltar para trás, sem um lamento, sem qualquer hesitação, porque mais luminoso e feliz, mais desejado do que qualquer outro por seu coração é o caminho pelo qual Frei Francisco está para conduzi-la.



Sua casa está escura. As salas e os corredores, silenciosos. Clara não se dirige ao portão, guardado pelos archeiros e pelos rafeiros, mas sai com cautela pela “porta dos mortos”, destinada, segundo os costumes úmbrios, a se abrir somente para a passagem dos féretros. Na “porta dos mortos”, haviam sido colocadas “pesadas toras de madeira, assim como uma coluna feita de pedras, obstáculos que somente poderiam ser removidos por muitos homens”, conforme irá testemunhar Cristiana, do senhor Bernardo da Suppo. Clara, todavia, não perde o ânimo. Jesus Cristo, fervorosamente invocado por ela, não pode abandoná-la. Com efeito, suas mãos de jovenzinha, gentis e delicadas, não fazem esforço para remover tais pesadíssimos obstáculos. Ao contrário, por pouco a sombria porta não se abre sozinha. É pela “porta dos mortos” que Clara entra em sua nova vida, quase que um símbolo de que, para ela, o mundo está verdadeira e inexoravelmente perdido.



No palácio, quase todos dormem. Apenas os rafeiros estão acordados; mas os rafeiros não latem.



Naquele profundo silêncio de primavera, somente as lindas flores que Clara sempre cultivou sabem que naquele momento tem início a glória da família de senhor Favarone di Offreduccio.









A fuga

 
A jovenzinha avança corajosamente pela escuridão da praça. Uma sombra se aproxima. É Pacífica, a amiga fiel, que foi pontual ao encontro. Clara toma-a pela mão e partem.

Assis está deserta. Não existe outra luz, a não ser a que vem das estrelas. O olhar de Clara penetra a escuridão e se fixa num ponto da planície, lá embaixo, onde, no bosque muito denso, Francisco espera por ela rezando, na humilde e dileta capela de Santa Maria dos Anjos.Em silêncio e sem temor, a predestinada se encaminha através da escabrosa descida, sem pensar no que irá acontecer na casa que ela abandonou, quando se derem conta de sua fuga. Pela primeira vez em sua curta existência, ela desafia a sombra noturna, sem outra companhia a não ser a de uma menina de sua idade. No percurso, sua saia de fino brocado entremeado de prata acaricia as pedrinhas do caminho. Seus longos cabelos loiros inflam-se de vento, quase com espasmo, pressentindo a sorte muito próxima.
As duas companheiras aceleram o passo para alcançar o bosque. Não temem, não tremem. Parecem ser guiadas por um arcanjo que afasta delas todo perigo, uma vez que aqueles lugares são pouco seguros e qualquer tronco de árvore pode esconder uma emboscada.
Mas eis que surgem do cerrado bosque Francisco, Filipe e Bernardo. Eles vêm a seu encontro com fachos acesos, para que as duas viandantes não venham a se perder na escuridão. A luz das tochas, as jóias com que Clara está adornada brilham maravilhosamente. Vestida assim, de azul, com os loiros cabelos presos por uma argola de ouro e com aquelas jóias que brilham no pescoço e nos pulsos, a filha de senhor Favarone e senhora Ortolana parece ser realmente a pequena rainha da fábula a caminho de seu palácio de puríssimo cristal. Ela se dirige, com efeito, ao palácio diamantino de dama Pobreza.

A consagração



A igrejinha da Porciúncula, tão cara ao coração de Francisco, é humilde e não conhece adornos, mas entende de giesta, de incenso e de oração. Fecha-a num cercado verdejante o prado viçoso, povoado de corços e pintarroxos, o mesmo prado que um dia aparecerá como um maravilhoso braseiro aos olhos dos cidadãos de Assis, quando Francisco e Clara se sentarão ao ágape fraterno conversando sobre Deus.




Igrejinha da Porciúncula - Basílica de Santa Maria dos Anjos

A estrada é difícil, mas Clara sorri como se ao invés de caminhar por um caminho pedregoso, onde despontam entre as ervas as primeiras violetas da primavera, caminhasse pelas salas de sua rica mansão, que nunca mais tornará a ver.
No altar da pequenina igreja havia, como único ornamento, um ramalhete de flores silvestres diante da milagrosa imagem da Virgem Maria. Foram colhidas por Francisco, para alegrar tamanha pobreza. Mas tamanha pobreza agrada a seu coração que aqui se compraz em sua oração e em sua meditação e onde reúne os frades para as parcas refeições, nas quais o pão é escasso, mas o puro gáudio da pobreza é grande.
Com perfeita alegria e fervor, prepara-se o rito que assinala a fundação da segunda Ordem franciscana, que irá povoar de silenciosas Clarissas os futuros e inumeráveis mosteiros do mundo inteiro.
No límpido céu primaveril, as miríades de estrelas tem um cintilar mais vivo, um esplendor mais tremulante. Clara entra na igrejinha, onde palpita uma fraca chamazinha diante da Virgem Maria. Algumas tochas cravadas na parede iluminam o lugar santo, onde está para se realizar o holocausto, a Deus, de uma jovenzinha desejosa de penitência e de céu.
Reina um comovido silêncio, uma trepidante expectativa pelo que está para se cumprir por amor e honra a Cristo.
Clara se ajoelha diante de Francisco. Este, com os olhos brilhantes fixos no alto, pede a ela a renúncia a toda alegria terrena, a força para empreender com humildade e na obediência o difícil caminho do mais duro sacrifício.
Ela expressa docemente sua anuência e com voz firmíssima pronuncia sem hesitar os três votos de pobreza, castidade e obediência, que constituirão até o último instante sua luminosa escolta, que conduzirão a ela milhares e milhares de jovens puras, desejosas de segui-la naquele caminho de penitência e de oração que ela escolheu para chegar a Deus.
Em seguida, reclina a linda cabeça. Seus suaves cabelos loiros cheios de sol resplandecem como ouro à luz das tochas. Talvez a mão de Francisco experimente um leve tremor.
Ela não o percebe. Está totalmente absorta em seu sonho paradisíaco.
Um ruído seco de tesouras. Frei Filipe e Frei Bernardo recolhem, pálidos, as luminosas tranças cortadas...A nobre jovenzinha, a filha do mais poderoso senhor de Assis, a castelã das alvas mãos e das lindas vestes sobre as quais refulgem preciosas jóias encontra-se, agora, revestida simplesmente por uma rude túnica de burel, sua fronte cingida por uma faixa de linho, sua cabeça coberta por um tosco véu negro. [...]
No dia seguinte, Frei Filipe e Frei Bernardo irão distribuir aos pobres as ricas vestes, as jóias cintilantes de Clara. E a Clara, nada restará de seu para o mundo, a não ser um cilício e os límpidos olhos azuis cheios de céu.





Nenhum comentário:

Postar um comentário